"A Senhora Browning estava deitada, lendo, no sofá. Tirou os olhos do livro, assustada, quando ele entrou. Não, não era um espírito - era Flush. Ela riu. Então, quando ele pulou no sofá e aproximou seu rosto do dela, as palavras de seu próprio poema vieram à sua mente:
Veja este cão.
Foi apenas ontem
Eu meditava esquecida de sua presença aqui
Até que um pensamento sobre o outro fez cair uma lágrima sobre a outra
Quando do travesseiro, onde eu repousava com as bochechas úmidas,
Uma cabeça tão peluda quanto a de um Fauno abriu seu caminho
Direta e repentinamente até o meu rosto - dois grandes olhos
Dourado-claros maravilharam os meus - , uma orelha pendente
Bateu em cada uma de minhas bochechas para secar as lágrimas!
Primeiro, assustei-me, como um Arcadiano,
Assombrado pelo deus caprino no bosque ao crepúsculo;
Mas, à medida que a presença barbada chegava mais perto
Minhas lágrimas secas, eu reconheci Flush, e levantei-me acima da
Surpresa e da tristeza - agradecendo ao verdadeiro Pã
Quem, por meio de pequenas criaturas, conduz às alturas do amor.
Ela escrevera aquele poema um dia, anos atrás, em Wimpole Street, quando estava muito triste. Agora estava feliz. Estava ficando velha agora, assim como Flush. Debruçou-se sobre ele por um instante. O rosto dela, com a boca aberta, os olhos grandes e os cachos pesados, ainda assemelhavam-se, estranhamente, ao dele. Completamente separados, entretanto feitos a partir do mesmo molde, cada um deles completava, talvez, o que era latente no outro. Mas ela era uma mulher; ele, um cão. A Senhora Browning continuou a ler. Então olhou para Flush mais uma vez. Mas ele não olhou para ela. Uma mudança extraordinária abatera-se sobre ele. "Flush", gritou. Mas ele estava em silêncio. Ele estivera vivo; agora estava morto.
E foi tudo. A mesinha de centro da sala de estar, de um modo muito estranho, permaneceu absolutamente imóvel."
Flush - Memórias de um cão (Virginia Woolf)
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