O confronto entre ruralistas e ambientalistas é completamente insensato. Mesmo se a questão for analisadaapenas do ponto de vista da economia, são os ambientalistas quem têm razão. Os ruralistas comemoramvitórias que se voltarão contra eles no futuro. Os frigoríficos terão que provar aos supermercadosdo Brasil que não compram gado de áreas de desmatamento.O mundo está caminhando num sentido, e o Brasil vai em direção oposta. Em acelerada marcha para o passado.O debate, as propostas no Congresso, a aprovação da MP 458, os erros do governo, a cumplicidade daoposição, tudo isso mostra que a falta de compreensão é generalizada no país.A fritura pública do ministro Carlos Minc, da qual participou com gosto até o senador oposicionistaTasso Jereissati (PSDB-CE), é um detalhe. O trágico é a ação pluripartidária para queimar a Amazônia.Até a China começa a mudar. Nos Estados Unidos, o governo George Bush foi para o lixo da história.O presidente Barack Obama começa a dirigir o país em outro rumo. Está tramitando no Congresso americanoum conjunto de parâmetros federais para a redução das emissões de gases de efeito estufa. O que antesera apenas um sonho da Califórnia, agora será de todo o país.Neste momento em que a ficha começa a cair no mundo, no Brasil ainda se pensa que é possível pôr abaixoa maior floresta tropical do planeta, como se ela fosse um estorvo.A MP 458, agora dependendo apenas de sanção presidencial, é pior do que parece. É péssima. Ela legaliza,sim, quem grilou e dá até prazo. Quem ocupou 1.500 hectares antes de primeiro de dezembro de 2004 poderácomprá-la sem licitação e sem vistoria. Tem preferência sobre a terra e poderá pagar da forma maiscamarada possível: em 30 anos e com três de carência. E, se ao final da carência quiser vender a terra,a MP permite. Em três anos, o imóvel pode ser passado adiante. Para os pequenos, de até quatrocentoshectares, o prazo é maior: de dez anos. E se o grileiro tomou a terra e deixou lá trabalhadores porquevive em outro lugar? Também tem direito a ficar com ela, porque mesmo que a terra esteja ocupada por"preposto" ela pode ser adquirida. E se for empresa? Também tem direito.Os defensores da MP na Câmara e no Senado dizem que era para regularizar a situação de quem foi levadopara lá pelo governo militar e, depois, abandonado.Conversa fiada. Se fosse, o prazo não seria primeiro de dezembro de 2004.Disseram que era para beneficiar os pequenos posseiros. Conversa fiada. Se fosse, não se permitiriaa venda ocupada por um preposto, nem a venda para pessoa jurídica.A lei abre brechas indecorosas para que o patrimônio de todos os brasileiros seja privatizado da piorforma. E a coalizão que se forma a favor dos grileiros é ampla. Inclui o PSDB. O DEM nem se fala porquecomandou a votação no Senado, através da relatoria da líder dos ruralistas, Kátia Abreu.Mais uma vez, Pedro Simon (PMDB-RS), quase solitário, estava na direção certa.A ex-ministra Marina Silva diz que o dia da aprovação da MP 458 foi o terceiro pior dia da vida dela."O primeiro foi quando perdi meu pai, o segundo, quando Chico Mendes morreu" desabafou.Ela sente como se tivesse perdido todos os avanços dos últimos anos.Minha discordância com a senadora é que eu não acredito nos avanços. Acho que o governo Lula semprefoi ambíguo em relação ao meio ambiente, e o governo Fernando Henrique foi omisso. Se tivessem tidopostura, o Brasil não teria perdido o que perdeu.Só nos dois primeiros anos do governo Lula, 2003 e 2004, o desmatamento alcançou 51 mil Km. Muitosque estavam nesse ataque recente à Floresta serão agora "regularizados".O Greenpeace divulgou esta semana um relatório devastador. Mostrando que 80% do desmatamento da Amazôniase deve à pecuária. A ONG deu nome aos bois: Bertin, Marfrig, JBS Friboi são os maiores. O BNDES ésócio deles e os financia. Eles fornecem carne para inúmeras empresas, entre elas, as grandes redesde supermercados: Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar.Reuni ontem no programa Espaço Aberto, da Globonews, o coordenador do estudo, André Muggiatti e o presidenteda Abras (Associação Brasileira de Supermercados), Sussumu Honda. O BNDES não quis ir.A boa notícia foi a atitude dos supermercados. Segundo Sussumu Honda, eles estão preocupados e vãousar seu poder de pressão contra os frigoríficos, para que eles mostrem, através de rastreamento, aorigem do gado cuja carne é posta em suas prateleiras.Os exportadores de carne ameaçam processar o Greenpeace. Deveriam fazer o oposto e recusar todo o fornecedorligado ao desmatamento. O mundo não comprará a carne brasileira a esse preço. Os exportadores enfrentarãobarreiras. Isso é certo.O Brasil é tão insensato que até da anêmica Mata Atlântica tirou 100 mil hectares em três anos.Nossa marcha rumo ao passado nos tirará mercado externo. Mas isso é o de menos. O trágico é perdermoso futuro. Símbolo irônico das nossas escolhas é aprovar a MP 458 na semana do Meio Ambiente.
A INSENSATEZ - Coluna de Miriam Leitão, O Globo, Sexta 5/jun